Os associados ao Voz Up, locutor Jason Bermingham (Inglês) e a locutora Amanda de Andrade (Português Brasileiro e Inglês) conversam sobre qualidade de microfones para produções publicitárias e games, sobre estúdio externo e home studio e também sobre ser locutor bilíngue no mercado de locução brasileiro.
Microfones para Locução
Amanda de Andrade: Jason Bermingham, muito bom tê-lo aqui! Confesso que já faz um tempo que gostaria de entrevistá-lo e, por indicação do locutor Viviani, aqui estamos nós hoje para abordar assuntos comuns, como microfones, estúdio e locução nativa.
Bom, você é reconhecido pela experiência e expertise também na área técnica e tecnológica do áudio, no que diz respeito a captação de áudio, equipamentos e acústica, e inclusive já escreveu para revistas de destaque na área.
Mas agora eu queria saber mais sobre o Jason locutor. Qual o microfone preferido do Jason ou quais são os poucos microfones que estão no topo da sua lista? Afinal, você conhece tantos microfones que eu fiquei curiosa pra saber se isso complica ou facilita a vida do Jason como locutor. Então qual ou quais os microfones preferidos e porquê?
Jason Bermingham: Vamos lá, Amanda! Sobre os microfones, eu acho que hoje em dia a diferença entre um bom microfone e um ótimo microfone é tão sutil que o locutor não deve gastar muito tempo pensando nisso. Por exemplo, um microfone de entrada para mim, para um setup profissional, seria um Neumann TLM 102 ou 103, daí para cima. Eu não acho que um microfone USB para um estúdio, para um home studio seja suficiente. Eu usaria um microfone XLR. Esses microfones USB, pelo que eles oferecem são ótimos, mas eles funcionam melhor, na minha opinião, para viagens, quando você está em um hotel, quando você precisa gravar no carro. Mas quando você está no estúdio ou já montou seu estúdio, o mínimo que eu acho que o locutor deveria ter é nessa faixa de entrada de um microfone que vai custar em torno de 700 USD para cima.
Há centenas de microfones maravilhosos e você tem que entender qual é o melhor microfone para você. Por exemplo, quando eu montei o nosso estúdio, eu comprei um Neumann U 87, que é aquele microfone de referência que todos os grandes estúdios nos Estados Unidos usam. Só que esse microfone, por mais maravilhoso que seja, acabou tendo interferência de rádio no nosso bairro e eu não consegui tirar essa interferência. Então eu acabei trocando por um TLM 67, que é também um microfone muito bom. E ele resolveu esse problema que eu estava tendo. Você tem que entender também as circunstâncias, não é só o microfone, mas sim o que funciona melhor no seu espaço, porque às vezes, por exemplo, se você tem um espaço que não é tão bem tratado, em que a acústica não é tão boa ou de repente você tem um vazamento de ruído externo para dentro do ambiente de gravação, se você comprar um super microfone, ele só vai destacar mais ainda as falhas do ambiente, porque ele é tão poderoso que ele vai captar tudo, inclusive aquele cachorro do vizinho que não para de latir.
Então, o primeiro passo não é o microfone. O primeiro passo é sempre o espaço. Você tem que pensar primeiro em isolar o som que vem de fora e tratar a acústica da parte de dentro. Você quer uma acústica natural, que não tenha reverb, que não pareça que só tem espuma, que não pareça que o som fique abafado.
Você quer um ambiente natural, gostoso de trabalhar, porque isso também é importante: você se sentir bem no seu estúdio para poder trabalhar o dia todo.
Por exemplo, eu tenho uma área de gravar, que é a cabine, e também uma área de editar, que é um outro espaço com janela, porque a cabine não tem janela. Então quando eu edito fora da cabine é outro ambiente e eu prefiro ter esses dois ambientes diferentes.
Você tem que pensar primeiro no espaço, primeiro na acústica, depois você começa a pensar nos microfones, interfaces e computador.
Mas enfim, a gente adora falar de microfone, mas como eu falei, a diferença entre um microfone que custa 700 USD e outro que custa 3000 USD é muito, muito difícil de se ouvir.
A diferença mais notável é se você está trabalhando num ambiente que não é perfeitamente tratado. Então o processo de investir em um estúdio é um processo orgânico, você vai investindo em equipamento de acordo com a sua necessidade e também de acordo com o espaço em que você grava.
Dá para gravar bem em Home Estúdio?
Amanda: Falando em estúdio, há poucas décadas, a gente teve o aparecimento e depois o boom dos home studios, né? Isso contrasta com o período da locução em que o padrão era ir a um estúdio profissional físico e fixo para que o locutor pudesse ser dirigido e gravado pelos engenheiros de som e diretores, que assistiam e auxiliavam o processo. Mas com home studios e com o desenvolvimento da tecnologia, e com a simplificação da tecnologia necessária para fazer gravações de qualidade broadcasting, um locutor consegue se sentir empoderado e sem limitações se ele tiver um bom home studio? Ou ainda existem limitações do ponto de vista técnico, de qualidade de áudio, de captação e todos os outros detalhes, mesmo que o locutor tenha um bom home studio?
Em resumo, existe ainda essa limitação, esse muro que pode separar um locutor das melhores oportunidades de trabalho, porque ele não está tendo acesso a um estúdio, e ele só tem um bom home studio? Ou isso não existe mais e, com um home studio, tudo está conectado e acessível com a qualidade máxima esperada?
Jason: Eu acho que a questão do home studio hoje veio para ficar. Não é nenhuma questão polêmica mais, todo mundo tem. Você tem que ter. Todo mundo trabalha em casa. Até as grandes produtoras durante a pandemia se fecharam e cada um está no seu canto trabalhando. Então isso já virou rotina para muita gente. Agora, quando você trabalha em casa, tem dois lados. Tem o lado que você se sente à vontade, porque está na sua própria casa, e às vezes você consegue fazer uma locução mais natural, com menos pressão. Você pode gravar quantas vezes quiser, pode experimentar coisas diferentes que, de repente, na produtora, com o diretor, você não iria fazer, porque você poderia sentir vergonha. Em casa você pode experimentar algo novo e ver se funciona e daí vai escolhendo os takes que gosta e estes você envia. O segundo lado é que falta feedback, né? Então, é bom você ir gravar com outras pessoas, porque às vezes o diretor vai te levar para um lugar diferente ou a agência vai te levar para um lugar diferente.
A minha dica hoje em dia, quando as pessoas vão fazer um home studio, é que o áudio não exige um ambiente bonito, o som de um ambiente bagunçado, pode ser muito bom, e você pode gravar uma locução que vai para a TV num lugar muito bagunçado e muito feio, porque o som está ótimo lá, só que quando você liga a câmera e você vai gravar com o diretor online, ou com uma agência ou uma pessoa que vai ver você na câmera, essa pessoa vai ver o ambiente em que você está gravando. Você quer passar um ambiente profissional, então às vezes é bom ter esse canto do seu estúdio, que tenha uma luz boa, uma câmera que mostra um ambiente que é profissional, e daí você pode ter o melhor dos dois mundos. Você pode pegar um job e falar para o cliente ou agência: “olha, eu quero que vocês acompanhem a gravação.” Você está gravando na sua casa, então você tem essa liberdade de ficar em casa. Você não tem que cruzar a cidade. Mas o diretor, o criativo ou produtor de áudio, podem acompanhar e dar direção, dar ideias, dar dicas e levar o locutor ou locutora para lugares e direções artísticas diferentes. Então, pensar não só no áudio, mas pensar também nesse lado do vídeo e do ambiente visual, desse espaço em que você vai criar para a pessoa ver você trabalhando.
Hoje em dia, eu e a Simone, minha esposa, gravamos a maioria dos jobs em que participamos dessa forma. A gente coloca o cliente, coloca a agência e deixa essa opção da pessoa acompanhar a gravação, porque dessa forma o resultado fica melhor. A pessoa que que está pagando pelos nossos serviços já sabe o que vai receber porque estava lá vendo o trabalho sendo gravado e isso funciona muito bem para eles também, porque se precisam de um ajuste, alguma coisa na hora, isso é feito na hora. A gente não tem que sair de casa de novo e ir para a produtora para gravar uma frase e garantir que aquela frase vai caber certinho no som que a gente mandou.
Locutor Brasileiro e Americano com sotaque
Amanda: A última pergunta é sobre locução em Português, já que você é Americano mas vive no Brasil. Você se comunica em português muito bem. Então eu queria saber se você grava em Português também. E como você vê o fato de ser bilíngue? Você explora seu acento a seu favor ou você procura omití-lo?
Jason: Bom, em resumo, sou norte-americano, moro no Brasil há 20 anos, mas eu raramente gravo em português, quase nunca! Eu só gravo quando é papel de gringo mesmo, sabe por quê? Porque eu acho que quando você fala um segundo idioma é muito difícil interpretar bem. Você tem que ter muita prática, então o que que eu faço? Eu faço toda a minha comunicação em português com o público brasileiro. Eu tenho uma empresa aqui no Brasil, o que ajudou muito, pois eu moro aqui, eu entendo a cultura, isso ajuda muito nos briefings. Eu entendo o jeito brasileiro de fazer uma locução, porque às vezes o jeito brasileiro de narrar uma locução é mais interpretado; os gringos, principalmente os americanos, têm as locuções tendendo a ser muito mais lineares.
E, às vezes, se eu faço uma locução em inglês para o público americano, tem que ser muito flat, muito linear do começo ao fim. Se eu faço assim no Brasil, para uma agência ou para algum alguma empresa, um vídeo institucional, por exemplo, o brasileiro acha que está faltando emoção. Então às vezes eu faço uma coisa mais interpretada aqui no Brasil do que eu faria para o público americano. Mas eu só gravo em inglês e só inglês americano, porque eu acho muito importante a gente ser transparente e saber o que a gente faz bem, Tem gente que consegue fazer sotaque britânico ou americano, e tem gente que faz muito bem, que são brasileiros que gravam em inglês, que não é a língua mãe, mas que gravam muito bem.
Eu incentivo isso, acho bacana a pessoa saber até onde ela pode ir com seu talento, mas ao mesmo tempo a gente tem que assumir as nossas limitações. Então, às vezes, por exemplo, tem um locutor brasileiro que fala bem inglês, mas ele tenta ou ela tenta fazer um inglês nativo e não, não adianta, porque é como se eu tentasse fazer português nativo. O idioma é diferente, então o que é que eu faço? Eu assumo que eu tenho sotaque e gravo com esse sotaque, e tudo bem. Acho que é bom o brasileiro fazer a mesma coisa: assumir que tem sotaque quando falar em inglês e fazer do seu jeito, com emoção, com interpretação natural e sem se preocupar com o sotaque.
Se você tem alguma palavra que não está correta, aí tudo bem, você tem que resolver isso, mas se você tem sotaque, isso faz parte do seu jeito. E hoje em dia tem tantas regiões do mundo, tantos sotaques do mundo que isso até fica charmoso. Às vezes o cliente vai gostar disso, então é importante a gente entender nosso estilo, entender o que a gente faz bem, o que a gente não faz tão bem e vender bem o que a gente faz bem. Porque assim o cliente vai ficar feliz e a gente não passa a impressão que a vai entregar um produto que não vai ser exatamente o que o cliente está esperando.
Esta entrevista ocorreu por meio de mensagens de voz entre Amanda de Andrade e Jason Bermingham, no dia 8 de janeiro de 2024 e foi transcrita e adaptada no corpo de texto acima.