Ator, redator, dublador, narrador e locutor de comerciais associado a VozUp, Cassiano Ricardo iniciou sua trajetória ainda como ator-mirim na TV Record e em filmes de publicidade nos anos 1960.
A partir de 1980, deu início a sua caminhada como profissional da comunicação e vem trilhando um caminho de sucesso em todas as áreas onde atua como ator, redator, apresentador de programas de tv, dublador, narrador e locutor em publicidade, seja no teatro cinema, rádio ou televisão.
Cassiano Ricardo como locutor (e em tudo que faz) busca sempre imprimir verdade e sinceridade transitando entre o mais dramático e o humor mais ácido. A matéria a seguir é um resumo do longo papo entre ele e a locutora Amanda de Andrade, que renderia um livro, se fosse possível.
Ator Completo
Amanda: Bem-vindo, Cassiano! Você marca presença em todo lugar, dentro e fora da VozUp, com sua personalidade. Tem sido muito interessante conhecer mais sobre seus trabalhos e sua jornada. Você realmente parece um ator completo…
Cassiano: Eu venho tentando ser um ator completo, desde criancinha (risos)… Olha, sem brincadeira. Eu entrei nessa aventura sem querer, mas querendo, com sete anos. Meu irmão me levava com frequência na antiga TV Record, onde ele atuava como “escada” em vários programas. Lá foi onde eu comecei a interagir com pessoas interessantes, talentosas e absorver aquele ambiente mágico e encantador da televisão. Sobre essa coisa de ser um ator completo, eu aprendi a ser um comediante. O que é o comediante? É aquele ator que faz bem qualquer personagem, seja pra fazer rir, chorar, emocionar ou causar indignação no espectador. Porém, o mais difícil é fazer rir. Se você consegue fazer alguém rir, você ganha o passaporte pra ir para o outro extremo, passando por todo espectro da arte da interpretação.
Afora o talento nato que é fundamental pra ter sucesso como artista em qualquer área, é preciso aprender o ofício diariamente e nunca achar que não é necessário aprender mais nada. No Teatro, aprendi com Juca de Oliveira que “ouvir é prestar atenção”– um ótimo exercício de generosidade, empatia e disponibilidade, importante para o ator e pra qualquer pessoa na vida – baixa a ansiedade e aplaca o ego.
Como locutor, uma das práticas que eu adotei é não ler o texto. Eu decoro o texto. Sim, porque eu percebi que quando eu lia o texto, ficava claro pra quem ouvia, que eu estava lendo; daí a verdade e a espontaneidade iam pro saco. Eu decoro os textos pra poder me apropriar deles e por conseguinte, transmitir o que, realmente, o criativo quis comunicar quando pensou naquela ideia. Daí a forma da locução é resultado natural dessa “apropriação” como se eu estivesse falando com alguém… atuando, como se eu estivesse no palco, onde a verdade é preceito fundamental para o ator.
Faço minhas locuções para despertar empatia no espectador. Não quero que ele esqueça do que acabou de ver e ouvir. Gravo como se estivesse conversando com uma pessoa com o intuito de fazê-la pensar a respeito do que está vendo e ouvindo.
Eu procuro fazer uma locução como se fizesse amizade com alguém que nunca vá esquecer o que eu lhe disse.
Comecei a ficar marcado no mercado publicitário por, praticamente, não ter concorrentes. Não havia atores fazendo locução. Teve um dia em que eu estava num determinado estúdio aqui em São Paulo e, na mesa de uma das meninas da produção, havia um pedido de orçamento de uma agência, onde se lia: “Orçar um locutor tipo Cassiano.” Hoje me sinto feliz por ter aberto esse caminho e observo que já há alguns ótimos locutores que procuram imprimir em seus trabalhos esse “acting” mais de ator, eu diria.
São características diferentes dos “papas” da locução como Viviani, KK, Ferreira Martins… Eles são Hors Concours. Eu? Eu não sou locutor.
Certa vez, numa entrevista o cara me perguntou: “Me diz três coisas que você não gosta”. Eu respondi: pulga, barata e locução.
Personalidade e Atuação na Locução
Amanda: (risos) Ah, sim, porque você vê do ponto de vista de um ator, né?
Cassiano: Pois é! Eu não sou locutor. Eu sou um ator que tem uma voz comum. Se for necessário eu até faço um tom mais grave, mais “cool”, mas, não abro mão (e nem conseguiria) do meu jeito de fazer, que se baseia na verdade interior, na memória emotiva. Então, eu trabalho como ator fazendo locução.
A primeira vez que eu experimentei isso foi num filme do João Daniel Tikhomiroff, que era pro cartão Diners Club. Era o início dos anos 90, em que eu dizia assim, com muita ironia: “Precisar,… não precisa. Diners Club. O cartão de quem… não precisa.”
Foi a partir desse filme que começaram a prestar atenção naquele locutor que parecia não estar fazendo locução. Teve, depois, um longo período em que fui, praticamente, “o locutor” de uma grande agência, onde o Diretor de criação, gostava do meu jeito de trabalhar, talvez porque suas criações sempre pedissem esse tipo de interpretação. Certa vez, tarde da noite eu estava no studio TESIS, fazendo um trabalho pra um cliente dele que era SKOL. Coincidentemente, quando cheguei, ele estava ao telefone com o dono do estúdio que, assim que me viu, disse a esse Diretor de criação, que eu acabara de chegar e sugeriu a ele que eu fosse o locutor da campanha sobre a qual estavam tratando. – “O Cassiano, não! Chega de Cassiano, por enquanto.” Dali a pouco ele pede pra me colocar ao telefone com ele; – “Você tem que falar como se estivesse meditando numa montanha no Tibet, bem calmo”…assim: O melhor plano de saúde é viver. O Segundo melhor é Unimed. Tem que ser…” Eu respondi: Ok, eu já entendi. Se você ficar explicando muito, eu não vou conseguir fazer.”
Ele insistiu: – “Não, eu vou te mandar uma guia”. Falei: “Não faça isso. Se você me mandar uma guia eu vou acabar copiando ela. Eu não tenho a menor personalidade.” Essa ironia minha, fez ele rir e dizer pra eu fazer do jeito que eu quisesse e azar meu se ele não gostasse. E ele gostou…rsrsrsrs.
Ele também adorou quando eu assinei uma outra campanha dele, assim: “Unibanco. Nem parece banco.” E o cara adorou, porque não era locução. O normal seria fazer a locução, a assinatura, certo?
Amanda: Sim, e você fez de um jeito irreverente.
Cassiano: Eu fiz como se eu estivesse conversando aqui com você, entendeu? Eu sou assim. Minha sorte mesmo, é que nunca tinha ator fazendo locução. Então só sobrava eu. Não tem outro, vai com o Cassiano, mesmo… paciência… rsrsrs
Amanda: (risos) Cassiano, não me lembro de me divertir tanto ouvindo histórias sobre locução e atuação. Alcançamos uma hora e meia de conversa e olha que ainda nem chegamos ao assunto da dublagem do Topo Gigio e do Roberto Gómez Bolaños. Vamos agora falar sobre esses projetos de dublagem.
Voz Original e Dublagem
Cassiano: Bom, quanto à minha carreira de dublador, ela foi meteórica, mas não foi medíocre. Foi bem legal. Foram dois episódios marcantes. O primeiro, em 1986, quando eu fui escolhido pra ser a voz do Topo Gigio em seu retorno ao Brasil, depois de 16 anos. Eu gravei um teste, enviaram a fita pra Milão e a entregaram nas mãos de Maria Perego, a criadora do Topo Gigio. Uma semana depois, recebi a notícia de que eu tinha sido escolhido por ela e lá fui eu pro Rio de Janeiro para conhecê-la, antes de assinarmos o contrato. Após esse primeiro encontro, ficamos muito amigos. Durante 3 meses, gravamos entre 40 e 50 episódios na Cinédia. Uma das coisas que mais me encantaram, além de fazer a voz do Topo Gigio, foi conhecer como o espetáculo era feito. Quando eu cheguei para gravar pela primeira vez, encontrei containers com todos os equipamentos, além de vários Topo Gigios, cada um com seu figurino pra cada cena em particular.
O cenário onde ficava o ratinho, estava a uns 6 metros de onde eu ficava com meu microfone e um pequeno monitor em preto e branco. O set do Gigio tinha um fundo preto de veludo, assim como as hastes que as manipuladoras usavam para fazer toda a ação do Topo Gigio… enfim, era aquela mágica que o bom enquadramento e a boa iluminação criavam, dando aquela ilusão maravilhosa que a gente via na televisão. E como eu ficava fazendo gestos e movimentos enquanto gravava, a Maria Perego acabava repetindo alguns gestos meus, manipulando o Topo Gigio. Havia muito improviso e muitos cacos. Foi um período maravilhoso.
Doze anos depois, eu fui chamado para fazer um teste para suceder o Marcelo Gastaldi, dublador oficial de Roberto Bolaños, que três anos antes, em 1995, infelizmente, havia nos deixado. Um pouco antes da morte do Gastaldi, o Sílvio Santos, tinha comprado os últimos 300 episódios de Chaves e de todos os personagens do Bolaños, e o SBT não encontrava uma voz para dublar o Bolaños. Até que numa noite de sexta-feira, eu estava saindo do teatro onde fazia uma peça com Juca de Oliveira, e me deparo com o amigo Fominha (Mário Lúcio de Freitas), que é músico e diretor de dublagem, que estava me esperando. Ele, então, me propôs um teste, urgente, pra ser a nova voz do Roberto Bolaños. Bom, na segunda-feira lá estava eu no estúdio do Nicola, o Echo’s Studio. Fiz um teste do meu jeito, com muito improviso, e quando saí da cabine, um diretor do SBT que acompanhava meu teste, me abraçou e falou: “É você!” Dois dias depois, assinei o contrato com a emissora e durante um ano e meio dublei mais de 300 episódios. E assim como em todos os meus trabalhos, eu não lia o texto na hora da dublagem – eu decorava. Levava o roteiro pra casa, estudava, criava minha versão de cada personagem do Bolaños pra cada episódio e fazia ajustes no texto e na tradução pra que tudo soasse bem no nosso idioma e no nosso contexto cultural.
Amanda: Cassiano, agradeço pela oportunidade de conhecer sua trajetória e saber detalhes e bastidores de produções tão icônicas e de tão alta qualidade. Obrigada por conversar conosco da VozUp. Desejo sucesso contínuo na sua carreira.
Cassiano: Eu que agradeço a você e a VozUp pelo convite e pela oportunidade de poder compartilhar meus aprendizados e experiências com tanta gente bacana!
Esta entrevista ocorreu por meio de encontros virtuais e mensagens de voz entre Amanda de Andrade e Cassiano Ricardo, no dia 16 de janeiro de 2024 e foi transcrita e adaptada no corpo de texto acima.